Privilégios, sentimentos, alimentação e isolamento social
- Nutrição sem Pressão
- May 6, 2020
- 3 min read
Em tempos de isolamento social, parece que muitos sentimentos são aflorados. Afinal de contas, quando tivemos tempo para ficar tão ociosos numa sociedade onde a produtividade é a máxima? Vivemos na sociedade do desempenho e, mesmo em meio à uma pandemia histórica, nos vemos buscando esta mesma produtividade.

Digo nós, pois me incluo nisso. Estávamos sempre cansados e correndo, sem tempo pra parar e muito menos pra sentir. Quem tem tempo pra sentimentos quando tem uma rotina completamente insana? Quando se chega em casa para trabalhar mais, pra dormir tarde e acordar já cansado? Muitos só param pra pensar nisso quando já estão tão esgotados que chegam a desenvolver ansiedade ou depressão. Na minha prática clínica, já vi muito disso acontecer: pessoas que comem seus sentimentos (que nem sabem, muitas vezes, reconhecer). E isso acontece por motivos óbvios: comer dá prazer, de forma rápida (afinal, quem tem tempo pra ter tempo?). Até março de 2020, essa era uma realidade com a qual eu me confrontava todos os dias na clínica. E aí, veio a pandemia...pra virar nosso mundo (e nossas prioridades) de cabeça pra baixo.

Vivemos agora, uma situação histórica: o isolamento social. No Brasil, enfrentamos ainda (fora os problemas de antes) crises política e econômica, além da crise na saúde. Fomos obrigados a parar (ou pelo menos a desacelerar), pelo menos uma grande parcela da população. E o que mais vejo nesse cenário são duas coisas: 1. Busca de produtividade
2. Medo de engordar

Não me leve a mal, se você tem esses problemas, você é um privilegiado. Tem muita gente por aí que não tem trabalho e nem comida, que não tem onde morar e não tem como se proteger do vírus. E isso é um problema bem mais amplo que renderia milhões de textos. Mas, falando destes dois problemas, pra nós (me incluindo, novamente), privilegiados que têm acesso à internet, alimentação, uma casa pra morar e até a possibilidade de trabalhar home office... são problemas. É importante colocar as coisas em perspectiva, mas que não minimizemos a dor das pessoas. É necessário que tenhamos, neste momento, mais autocompaixão. Nunca passamos por uma pandemia, não há jeito "certo" ou "errado" de se passar por ela. Cada um irá reagir de acordo com suas histórias de vida. Infelizmente, parece que vivemos numa sociedade em que existe uma corrida que ninguém sabe muito bem por que está correndo, nem contra quem está correndo, mas continuamos correndo a todo custo. E isso se reflete no isolamento: seja produtiva, faça atividade física, coma perfeitamente bem, faça 10 cursos online, publique seu artigo (ops), ajude sua família, leia mais, trabalhe mais, seja mais.

A questão é que não estamos numa situação normal e não se pode querer forçar uma normalidade no que não é normal. Alguns continuam correndo, outros não podem mais, ou não tem mais forças pra correr. E tá tudo bem (sério). Uns dias você vai acordar disposta, outros dias vai querer ficar mais quieta. Uns dias vai bater uma tristeza...outros dias o tédio será insuportável. O que muda é que agora, estamos mais em contato com nossos sentimentos do que nunca... e, por isso, muitas pessoas tendem à buscar a comida como solução disso tudo. E o medo de engordar aparece mais forte que nunca para os privilegiados (afinal, é preciso ter comida no prato pra ter medo de engordar). Não que esse já não fosse um medo enraizado na sociedade. Mas parece que essa mistura de sentimentos e isolamento, pra algumas pessoas, tem sido gatilho para comer emocional (o que faz total sentido). Se você é uma dessas pessoas, te convido a entender um pouco mais sobre esses sentimentos. Você percebe que come o tempo inteiro?
O que passa na sua cabeça?
Qual sentimento está presente nesse momento? Você está com fome? Ou será que é tédio? Solidão? Ansiedade? O que faz sentido para cada um destes cenários? Você não precisa fazer uma dieta restritiva. Você não precisa "sair mais magra" do isolamento. Você precisa cuidar de você e da sua família, da melhor forma que você puder. Se isso significa ficar em casa, que seja ficar em casa. Se você é profissional de saúde ou de outros serviços essenciais e não pode ficar em casa, obrigada por cuidar de todos nós. E se você pode, nesse momento, ajudar alguém que precisa, obrigada! É, meus amigos... o isolamento social tem sido difícil (muito mais pra uns do que pra outros, obviamente). Tá tudo bem pedir ajuda, se você precisar. Tá tudo bem não estar bem...mas espero que você esteja! Preste atenção aos seus sentimentos, eles dizem muitas coisas que às vezes não conseguimos traduzir. Por Mariana Ribeiro, Nutricionista, isolada, privilegiada, mas não alienada. Para todos que possam ler esta mensagem.
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